O vendedor sul-mato-grossense de 38 anos nunca esteve no Rio Grande do Sul. Não tem parentes nem conhecidos em solo gaúcho. Mas, no último dia 26, foi preso em Rio Verde de Mato Grosso, cidade onde nasceu e sempre morou, por homicídio cometido em 2012 em Novo Hamburgo.
Na sexta-feira (3) foi confirmado o erro e dada a baixa no mandado de prisão. Uma outra ordem judicial foi expedida com o nome do verdadeiro condenado, que só então passou a ser considerado foragido.
“Somos casados há 17 anos, temos três filhos e posso garantir que nunca estivemos nem perto de Novo Hamburgo. O mais próximo é uma viagem que estamos programando para Balneário Camboriú”, declara a mulher do preso por engano, uma comerciante de 38 anos, que pede para não ser identificada. O casal tem três filhos.
A lojista admite que o marido tem problemas na Justiça, tanto que usava tornozeleira eletrônica na hora da detenção, por volta das 10 horas. “Mas nunca matou ninguém. Ele já tinha problema na Justiça, comprou um carro e colocaram restrição. Levaram para a delegacia, onde viram que havia mandado de prisão com todos os dados dele lá no Rio Grande do Sul. Entrei em desespero. Imagina: 12 anos de condenação.”
O mandado trazia detalhes que espantaram a família. “No ano desse crime ele estava cuidando comigo da nossa filha que recém tinha nascido, em maio. A gente procurava uma casa maior aqui em Rio Verde (de Mato Grosso). Meu marido estava trabalhando em uma garagem de carros.”
A cidade de 20 mil habitantes, em região pantaneira do norte do MS, fica a 1,6 mil quilômetros de Novo Hamburgo. “Estamos juntos há 17 anos. Fora daqui meu esposo só foi para o Mato Grosso e o Pará, onde mora o pai dele. Não temos nada nem ninguém no Rio Grande do Sul. Esse mandado surgiu do nada.”
Apesar da baixa do mandado, o vendedor continuava na cadeia até a noite deste domingo (5) por conta de prisão temporária por receptação, expedida pela comarca onde mora. “Tivemos que correr atrás dessa falsa condenação de homicídio para agora tentar a liberdade no negócio desse carro.”
Na tarde de sexta-feira, o cartório da Vara de Execuções Criminais (VEC) de Novo Hamburgo afirmou desconhecer o assunto. À noite, o mandado contra o sul-mato-grossense, expedido em julho deste ano, já estava fora do sistema. A juíza Roberta Penz de Oliveira, do 2º Juizado da VEC, fez ordem de prisão contra o condenado Fabiano Vieira Andrades, 36 anos, com validade até junho de 2037.
O verdadeiro réu tem nome parecido com o do morador de MS, mas as características físicas são completamente diferentes. Andrades é de Rosário do Sul e morava em Novo Hamburgo na época do crime. Hoje o paradeiro é desconhecido.
O homicídio aconteceu às 17h50 de 9 de outubro de 2012, perto de um dos maiores pontos de tráfico do Vale do Sinos, conhecido como Beco da Ceará, no bairro Rincão, em Novo Hamburgo.
O morador das imediações Douglas Valdecir da Motta, 20 anos, levou dez tiros quando abria a porta de casa, na Rua Ceará. Morreu na hora. O matador, que usou uma pistola calibre 380, fugiu.
A Polícia chegou ao autor. Andrades confessou o homicídio, mas alegou legítima defesa. Disse que matou para não ser ele a vítima, sob alegação de que estava jurado de morte para aquele dia.
Uma testemunha confirmou que Andrades devia dinheiro para traficantes da área. Três meses antes, ele tinha sido detido pela Brigada Militar, no Beco da Ceará, com seis pontas de cigarro de maconha no bolso. Como era caso de posse e não tráfico, foi ouvido e liberado.
A preventiva de Andrades foi decretada, mas, em março de 2013, conseguiu revogação da ordem judicial no Tribunal de Justiça (TJ), em Porto Alegre. Acolhendo a tese de legítima defesa, ilustrando que era crime relacionado ao tráfico, dois desembargadores decidiram pelo habeas corpus, ao contrário do relator, que queria a manutenção da preventiva.
E assim, sem nunca ter sido preso, Andrades foi a júri em 21 de maio de 2018. Condenado a 12 anos no regime fechado, recorreu ao TJ, que manteve a sentença. Fez nova apelação ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde também perdeu.
O processo foi baixado como transitado em julgado em julho deste ano, quando a VEC acabou expedindo o mandado de prisão condenatória para o morador do Mato Grosso do Sul, que nada tinha a ver com a história.